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No instante seguinte ao apito final no Mineirão, assopro que colocava o Palmeiras na final da Libertadores, o técnico Abel Ferreira virou-se para uma câmera de TV e passou a vociferar suas próprias entranhas, cuspindo coisas que não eram compreendidas nem no português de Portugal nem no português brasileiro. Eram enunciados guturais, sugados desde primitiva garganta, que falavam sobre assuntos que ultrapassam os próprios códigos linguísticos e vão encontrar eco apenas no próximo 27 de novembro, nas modernas ruínas charrúas do estádio Centenário.
Imagem: Cesar Greco
O desabafo trazia precedentes. O técnico português com frequência é criticado por fazer do Palmeiras um time menos vistoso do que o dinheiro investido aconselharia, e suas reações exageradas também não contribuem paraque se estabeleça a harmonia. Mas o desabafo também clamava por reconhecimento, afinal de contas, com um ano de trabalho, Abel Ferreira disputa sua segunda Libertadores e vai se sentar em alguma mesa do Mercado del Puerto para pedir um vacío al punto já na condição de defensor do título. Como troco, ainda pode abrir a guaiaca e mostrar de relance -- entre euros, pesos, reais e lentilhas do último Ano Novo -- a taça de uma Copa do Brasil. Exigir mais do que isso é aderir à utopia de que o futebol representa uma espécie de arte desligada do resultado. Não representa. Para o torcedor o futebol está vinculado, primordialmente, a ver no seu clube um clube vencedor. Ou pelo menos nutrir a esperança de que isso um dia aconteça. A história depois será contada com parnasiana reverência (por palmeirenses, atleticanos, remistas, sofistas, comunistas e tricolores de todas as procedências) sobre os campeões injustos e os nobres que trocaram uma taça pela alegria de jogar. No presente, no entanto, todos sempre temos questões mais urgentes a resolver do que promover a vanguarda. Abel Ferreira é o artista que leva seus quadros para o meio da praça e, pintando fora de casa, até rascunha uma caricatura de vez em quando, dependendo do cliente.
Imagem: Staff Images/Conmebol Na entrevista após o jogo, Abel Ferrerira disse que o desabafo não tinha como alvo ninguém do time adversário, mas um vizinho "chato" que, é possível deduzir após tão inflamada manifestação, deve lhe perseguir sempre que chega ou sai de casa . Esse novo cenário torna a reação ainda mais genuína do que seria se dirigida contra um jornalista ou dirigente: quem explode diante de uma câmera de televisão para todo o país contra um VIZINHO entende sobre as coisas que realmente importam. Afinal de contas, o homem mais inconveniente do mundo é aquele que enche o meu saco todas as manhãs, já diria algum pseudônimo de Fernando Pessoa.
Imagem: Staff Images/Conmebol Abel Ferreira erra bastante, mas é recordista em decisões. Cruzando o dedo pela máscara, mandou o vizinho, rival mais importante da noite épica e também da rotina implacável, calar a boca em coletiva após garantir vaga na decisão da Libertadores. "Os melhores jogadores são os meus, porque são os meus jogadores", exclamava, quase como se os jogadores fossem o próprio rio da sua aldeia. De certa forma, eles são. E não apenas eles, pois o Tejo também não é mais bonito do que o Rio da Prata, às margens do qual o Palmeiras tentará reafirmar a hegemonia na América do Sul.
Fonte:https://ge.globo.com/
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