Polêmicas da última temporada estão no passado, mas são sempre relembradas. O que esperar dos dois campeões, que vivem momentos muito distintos de suas carreiras no automobilismo
O sonho de todo roteirista de cinema. A temporada passada da Fórmula 1 viu o surgimento de uma nova - e intensa - rivalidade: Lewis Hamilton x Max Verstappen. De um lado, um piloto consolidado, na principal equipe, com 14 temporadas, sete títulos mundiais e quase todos os recordes da categoria no currículo. De outro, um jovem holandês, 14 anos mais novo que o rival, ainda em busca de seu primeiro título na F1, em um time que buscava voltar aos bons tempos após oito anos sem títulos. O enredo perfeito para um blockbuster - só não precisava daquela desastrada participação especial de Michael Masi no último minuto do filme, não é mesmo?
Foto;Hasan Bratic/Getty Images
Mas o intuito deste texto não é falar do passado, tampouco das polêmica atuação da direção de provas em Abu Dhabi - inclusive, já escrevi bastante sobre o tema aqui no blog Voando Baixo. Fato é que a Fórmula 1 tem um novo campeão, o 34º da história da categoria: Max Verstappen, inclusive, reavivou uma antiga tradição. O holandês da RBR vai usar em seu carro o número #1, que estava ausente desde 2014, quando Sebastian Vettel, também na equipe austríaca, não conseguiu defender o título de 2013. Lewis Hamilton, por sua vez, manteve o #44 em seis de suas sete temporadas após ser campeão na F1 - a exceção foi 2009, quando ainda estava na McLaren. Neste pequeno detalhe, um número pintado em seus carros, dá para notar a diferença entre as personalidades de ambos.
E, como toda boa franquia de Hollywood, a rivalidade Hamilton x Verstappen deve ter um segundo capítulo em 2022. Claro que depende muito do novo regulamento técnico e do trabalho que Mercedes e RBR farão com os novos carros. Tudo porque as mudanças viraram os carros do avesso neste ano, com a volta do efeito-solo, que estava fora da Fórmula 1 desde 1982. A equipe que lidar melhor com isso tende a levar vantagem, ainda mais com a limitação do teto orçamentário que dificulta mudanças a toque de caixa. Não dá para negar que os dois pilotos são as grandes estrelas da Fórmula 1 atual, mas eles vão precisar de um trabalho excepcional de seus elencos de apoio: Mercedes e RBR.
E quem acompanhou a temporada passada até o final está ansioso para ver a continuação da rivalidade Hamilton x Verstappen. Como eles vão se comportar? Como será um novo embate entre ambos, que têm personalidades tão distintas? Veremos mais acidentes? E outra disputa ferrenha pelo título? São respostas que teremos em 2022.
Hamilton entra em 2022 em um papel ao qual está pouco habituado. Afinal, desde 2013 o inglês não entra em um campeonato da Fórmula 1 para desafiar o atual campeão - vale lembrar que Nico Rosberg não defendeu o título conquistado em 2016 no ano seguinte, já que anunciou a aposentadoria. Naquela temporada, ele estava em seu primeiro ano na Mercedes, uma mudança que foi duramente criticada na época - e que o tempo mostraria ser um acerto. Foi o grande ponto de virada para o piloto inglês, que ainda contou com os conselhos do saudoso tricampeão Niki Lauda para evoluir sua pilotagem e, sobretudo, a parte mental para se tornar uma das maiores lendas do automobilismo.
Será interessante ver como Hamilton vai lidar com esse papel. Ainda mais após o complicado fim da temporada passada. Depois da decepção em Abu Dhabi, o inglês passou dois meses afastado de suas mídias sociais, fez apenas uma aparição pública (para ser condecorado Cavaleiro do Império Britânico pelo Príncipe Charles) e não deu entrevistas. Ainda assim, seu futuro na Fórmula 1 foi amplamente especulado. O silêncio virou uma ameaça de aposentadoria. Nada disso. No lançamento do Mercedes W13, ele disparou: "Se vocês acham que meu desempenho no fim do ano passado foi o meu melhor, esperem para me ver neste ano". A motivação está presente - nem que seja na "força do ódio", como diz a expressão popular. O inglês está treinando como nunca. Usando o simulador da fábrica da Mercedes, em Brackley, como nunca. Até mesmo fazendo uma coisa que já admitiu não gostar: testando como nunca.
Hamilton tem mais dois anos de contrato com a Mercedes. São oportunidades de ouro para consolidar seu nome na Fórmula 1 como o maior campeão da história com oito ou até nove títulos. Até porque o inglês não esconde de ninguém que tem outras prioridades. Ele já deixou claro que a vida pessoal é muito importante: a música; os eventos do show business, principalmente nos Estados Unidos; e claro, o ativismo contra o racismo e outras injustiças sociais através de sua imagem e do projeto Mission 44, fundação para apoiar e empoderar jovens de grupos minoritários na Inglaterra. A ideia de Hamilton é usar sua visibilidade como ídolo mundial para melhorar a vida de pessoas que têm uma vida parecida com àquela que ele teve antes de se tornar heptacampeão.
Ou seja, amigos, é o começo do fim. Estamos diante de uma das últimas temporadas de um dos maiores talentos já surgidos na história do automobilismo. Por todo este contexto, Hamilton não vai economizar neste ano. O tempo para ele na Fórmula 1 está se esgotando. A vida está chamando. E ele já admitiu algumas vezes: ainda há motivação para vencer, para bater recordes, para ser campeão novamente. E também há um senso de urgência inédito para o inglês da Mercedes. O tempo voa.
Não dá para negar. Max Verstappen foi um divisor de águas na Fórmula 1. Ele foi o mais jovem piloto a estrear na categoria, no GP da Austrália de 2015, aos 17 anos, cinco meses e 13 dias. A precocidade fez com que a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) mudasse as regras de emissão da superlicença, documento necessário para correr na categoria: instituiu o sistema de pontos conquistados nas categorias de base e restringiu o ingresso a apenas maiores de 18 anos. E todo mundo sabia, desde os primeiros dias do holandês na Fórmula 1, que estava diante de um campeão em potencial. Conquista esta que foi concretizada em 2021.
Enfim campeão, Verstappen tem em sua frente uma série de desafios. O maior deles é dar o passo seguinte na carreira: ou seja, se consolidar como campeão e uma das referências do automobilismo. Neste ponto dá para fazer um paralelo com o rival Lewis Hamilton. O inglês também conquistou o primeiro título muito jovem, aos 23 anos, nove meses e 26 dias. O holandês, aos 24 anos, dois meses e 12 dias. A diferença era o número de temporadas disputadas até então: Hamilton estava apenas na segunda, Verstappen, na sétima. E o desafio maior é o ano seguinte.
Todos os campeões falam que o maior desafio não é chegar ao topo; é se manter lá. Hamilton sofreu com isso: levou seis anos para conquistar o segundo título, após temporadas complicadas, cheias de altos e baixos; erros e vitórias. Verstappen tem agora esta montanha para escalar. E, assim como o rival, a primeira defesa de título vem em um ano com mudança radical de regulamento. Quem não se lembra da Brawn GP, do difusor duplo e de Jenson Button em 2009? A situação de 2022 é parecida. Ninguém sabe se Mercedes e RBR vão continuar dominando a F1.
E Verstappen ainda tem mais um grande desafio em 2022. Se ele foi campeão de pilotos no ano passado, a RBR foi derrotada mais uma vez pela Mercedes, octacampeã seguida do Mundial de Construtores entre 2014 a 2021. A equipe austríaca teve, entre 2010 e 2013, a liderança do alemão Sebastian Vettel, que foi tetra entre os pilotos e comandou os quatro títulos de sua equipe. Terá Verstappen a mesma capacidade de seu antecessor no time? No ano passado, por exemplo, a RBR não escondeu de ninguém que a intenção era fazer o holandês campeão da F1. O título de construtores estava em segundo plano. Em 2022, com uma dupla consolidada formada por Max e o mexicano Sergio Pérez, a ideia é ir além. E o holandês terá de ser o líder deste processo para o time.
Se o roteiro da temporada 2021 foi o sonho de qualquer roteirista de cinema, o de 2022 também promete muito. A sequência da rivalidade Hamilton x Verstappen coloca dois pilotos extremamente talentosos e em momentos completamente distintos de suas carreiras frente a frente. E pelo segundo ano seguido. Se Mercedes e RBR derem bons carros a seus pilotos, certamente veremos mais uma temporada daquelas. E com potencial de ser ainda melhor que a do ano passado.
Hamilton tem a experiência e a urgência de estar perto do fim de sua carreira. Verstappen tem a juventude, um ímpeto inesgotável e a vontade de se consolidar, de provar que o título do ano passado não foi algo fortuito, um ponto fora da curva. Nesta rivalidade, então, quem vai ganhar? Uma certeza eu tenho: quem é apaixonado por automobilismo.
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