Com excepcional ritmo de corrida, holandês conta com trabalho da equipe e com as quebras nas unidades de potência do time italiano para conseguir seu quinto triunfo na temporada 2022
O GP do Azerbaijão de 2022 esteve longe de ser um dos mais movimentados da história do evento. Pelo contrário: foi uma corrida morna durante a maior parte de suas 51 voltas. Mesmo assim, o imponderável esteve presente nas ruas de Baku neste domingo. E afetando a Ferrari, que viu seus dois pilotos abandonarem a prova: com um problema hidráulico, Carlos Sainz parou na nona volta; e Charles Leclerc sofreu uma quebra na unidade de potência na 21ª. Enquanto a equipe italiana zerou, a Red Bull não desperdiçou a chance de fazer mais uma dobradinha, a terceira em 2022: Max Verstappen venceu pela quinta vez no ano, com Sergio Pérez na segunda posição - e a melhor volta da prova. Pontuação máxima.
Foto: Peter Fox/Getty Images
Rafael Lopes e Luciano Burti analisam o GP do Azerbaijão de Fórmula 1
Contudo, seria uma injustiça atribuir a vitória de Max Verstappen no Azerbaijão apenas aos problemas da Ferrari. É claro que eles foram parte do enredo, mas a Red Bull trabalhou bem demais ao longo do fim de semana. Para começar, investiu em um acerto mais adequado para o ritmo de corrida, enquanto a equipe italiana tinha um carro mais rápido em volta lançada - a pole de Leclerc provou isso. Mesmo sem os problemas, Verstappen e Pérez teriam todas as condições de enfrentar o monegasco na corrida - e acredito que até mesmo levar vantagem. Teríamos uma bela disputa estratégica e também na pista não fossem as quebras da Ferrari. Mas a Red Bull criou as condições para construir uma dobradinha nas ruas de Baku sem depender dos rivais italianos.
Outra injustiça seria dizer que a vitória de Verstappen veio apenas por causa do jogo de equipe da Red Bull. Seria uma mentira daquelas. A inversão ocorreu no início da 15ª volta, quando Pérez recebeu pelo rádio a mensagem para "não lutar" com o companheiro. E aí está uma das vantagens de se assistir à corrida com a tela de cronometragem ao lado. O mexicano teve sérios problemas com a conservação dos pneus médios no primeiro stint da corrida. Entre a 11ª e a 15ª passagem, ele perdeu 4s554 em relação a Verstappen, o que culminou com a instrução para a inversão de posições, já que a Red Bull ainda não havia feito o pit stop de seus dois pilotos, enquanto a Ferrari chamou Leclerc na nona volta, durante o safety car virtual ocasionado pelo abandono de Carlos Sainz.
Uma disputa entre Verstappen e Pérez naquele momento da corrida só serviria para deixar ambos vulneráveis em termos estratégicos. Pelo ritmo, acredito que o holandês faria a ultrapassagem cedo ou tarde. Mas o tempo perdido poderia ter sido fatal na disputa com a Ferrari de Leclerc. O monegasco quebrou algumas voltas depois, então fomos privados de ver as consequências das táticas escolhidas pelas duas equipes. Mas a decisão da Red Bull naquele momento era, como falam os ingleses, uma no brainer. Uma escolha óbvia. Tanto é verdade que, apesar de Pérez ter sido rápido nos treinos e de ter marcado a melhor volta da prova, Verstappen terminou com 20s823 de vantagem sobre o companheiro. O ritmo de corrida do holandês era infinitamente mais forte.
"O automobilismo é o esporte individual mais coletivo que existe". É uma máxima que funciona muito bem na Fórmula 1. São dois campeonatos em disputa: o público valoriza mais o Mundial de Pilotos, o que é natural. Mas as equipes realmente se importam com o Mundial de Construtores, que rende prêmios em dinheiro ao fim de cada temporada. E em uma temporada em que duas equipes estão brigando pelos títulos, é natural que elas se preocupem em marcar o maior número de pontos a cada corrida. A Ferrari tem sofrido com problemas mecânicos e erros de estratégia, mas ainda é uma rival forte para a Red Bull em 2022.
Exatamente por isso não dá para condenar a decisão de priorizar Verstappen na disputa pelo título de pilotos. Pérez é muito rápido, mas não tem o mesmo talento do companheiro de equipe. É só ver a diferença do ritmo de corrida entre os dois no Azerbaijão, quando o holandês foi muito superior. Quando corria por equipes médias, o mexicano fazia boas provas economizando pneus e sendo inteligente. Mas brigar por vitórias e por títulos exige um nível além de desempenho. É outro patamar. E não há nada de errado: Pérez foi contratado justamente para ser um segundo piloto de alto nível, para trazer bons pontos para o Mundial de Construtores. E atendeu às expectativas da Red Bull. Tanto que já teve o contrato renovado por mais duas temporadas.
A Ferrari, por sua vez, tem de acordar para o campeonato. O bom início já parece um passado distante. E, apesar de ter evoluído bem o carro desde o GP da Espanha, tem esbarrado em problemas mecânicos e erros estratégicos. Leclerc, por exemplo, perdeu pontos essenciais em Barcelona e em Baku por falhas na unidade de potência - e que o colocam como quase certo na lista de punidos por estourar o limite dos componentes mais para o fim do ano. Além disso, ainda teve a desastrosa tática usada em Mônaco, que jogou o monegasco da primeira para a quarta posição. A Ferrari está trilhando o mesmo caminho dos anos em que teve carros em condições de lutar por vitórias e títulos: começa bem, mas perde fôlego à medida em que a temporada avança. A cada fracasso, a pressão por resultados não para de aumentar em Maranello.
Depois do GP da Espanha, há duas corridas, parecia que a discussão sobre o Efeito Golfinho (clique aqui e entenda) tinha se encerrado. Só que, na realidade, já era esperado que as equipes sofressem novamente com os quiques em circuitos de rua com médias de velocidade mais altas - caso de Baku e da próxima corrida, em Montreal. O asfalto mais irregular em comparação aos autódromos exige que os times aumentem a altura dos carros em relação ao solo. E isso foi o gatilho para o retorno do porpoising neste fim de semana. É a chamada tempestade perfeita: o pneu de perfil mais baixo somado a uma suspensão mais simples, com um ajuste mais duro e de curso menor e ao efeito solo faz com que as vibrações aumentem demais. Foi exatamente o que vimos no Azerbaijão.
Fato é que está começando a ficar perigoso. Em Baku, a trepidação afetava os pilotos justamente no trecho mais perigoso da pista: a área de aceleração de 2,2 quilômetros que compreende a reta dos boxes. Vários pilotos reclamaram que não conseguiam ver a linha de entrada dos boxes. Outros estavam com dificuldades na frenagem. Os quiques chegavam a ter uma força vertical de 6G. E o impacto ia diretamente para a coluna do piloto. Tanto é verdade que Lewis Hamilton, um dos pilotos com melhor preparação física na Fórmula 1, reclamou de dores nas costas durante todo o fim de semana. E por causa delas, teve muitas dificuldades para deixar o carro após o fim da corrida.
No caso de Hamilton, os quiques ainda foram potencializados por um assoalho novo, que não funcionou como o esperado. O carro dele, mais uma vez, contava com acerto diferente em relação ao do companheiro George Russell. No fim, o heptacampeão terminou em uma ótima quarta posição depois de uma boa corrida de recuperação sofrendo com as dores nas costas. E o jovem inglês terminou em terceiro, em seu terceiro pódio no ano e aumentando a marca de 100% de chegadas entre os cinco primeiros em 2022. Para Montreal, Hamilton já avisou que vai pedir à Mercedes para parar de fazer testes no carro dele e ter um carro idêntico ao do companheiro de equipe. É o momento ideal para isso.
Sobre o Efeito Golfinho, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) precisa tomar uma providência urgente. É questão de segurança. Em vez de se preocupar com as joias que os pilotos usam, é a hora da entidade presidida por Mohammed Ben Sulayem tomar uma atitude drástica. Por mais preparado fisicamente que seja, o corpo humano tem limites. E acho que ninguém está disposto a ver esse limite ser estourado no meio de uma corrida. As consequências podem ser terríveis.
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