Vitória exorciza derrota de 2008, coroa trabalho de Fernando Diniz e premia o que o esporte tem de melhor: histórias
Hoje vamos fazer desse espaço um lugar um pouco diferente. Como analisar um jogo tão, mas tão importante, que a questão tática importa menos. Em um time de Fernando Diniz, como considerar que o estilo de jogo do Fluminense fale menos do que tudo aquilo que já berrou até agora? Pois é. É esse o tamanho do feito da conquista da Conmebol Libertadores ao vencer o Boca Juniors por 2 a 1. Aqui vou explicar porque o Fluminense, o futebol e a melhor história venceram no sábado. E vencer é diferente de ganhar. Ah, e se você quiser um pouco de tática, também vai ter.
Vence o Fluminense
Calma, não é só por estar no hino e rimar. O Fluminense vence por tudo que passou nos últimos 15 anos. O medo de ver tudo se repetir quando Advíncula empatou a partida passou por todos os tricolores. A final em casa. O time melhor. Mas será que o destino iria ser cruel dessa mesma forma e impedir que o time amargasse mais um vice-campeonato?
Foto: Lucas Merçon/Fluminense
Não foi. O trauma de 2008 passou. Ainda pode incomodar, principalmente entre os presentes diante da LDU e ausentes contra o Boca, mas o mais importante aconteceu. O Fluminense é o campeão da Conmebol Libertadores e acaba de exorcizar o fantasma que tanto o atormentava. Tirou o fardo das costas e no último sábado tornou todos os tricolores mais leves.
Escutava-se a apreensão a cada vez que o Boca chegava ao campo de ataque. Sentia-se o alívio em todos os chutões para a frente na prorrogação. O urro quando Wilmar Roldán se dirigiu à bola para terminar a partida não vai sair tão cedo da minha cabeça. Não era o grito de quem ganhava um título. Mas o berro de quem vence uma batalha contra o passado.
Vence o futebol
No sábado estava liberado não jogar bem. A torcida do Fluminense já sabe há um ano e meio como joga este time de Fernando Diniz. Sábado, eles podiam fazer o que quisessem, com a única condição de ganhar o jogo. Mas o resultado de 4 de novembro de 2023 não significa só que o verde, branco e grená é campeão. Ele também é a vitória do futebol bem jogado.
Na entrevista coletiva antes do jogo, o técnico do Flu falou que considera o futebol mais arte do que ciência. Mas sem a ciência, não tem arte no futebol. O trauma da derrota da seleção brasileira de 1982 reverberou no mundo. O time que encantava não ganhou e degringolou até o ponto que se perdia um pouco da magia do ataque e passasse a valorizar bem mais a defesa.
O título do Fluminense de Fernando Diniz junta a ciência do resultado com o futebol-arte. Ele também disse que não era a bola que entrava ou não que iria determinar o que ele pensa sobre o esporte. Mas todo tricolor sabia que se o time fizesse mais gols do que o adversário em 120 minutos determinaria o restante do ano deles. Ganhar do Boca foi importante. Vencer com Fernando Diniz, ainda mais.
Vence a melhor história
Pelo menos até este 4 de novembro, uma partida de futebol é feita ativamente por 23 pessoas (11 de cada lado, mais o árbitro). O técnico pode dar a instrução, o torcedor gritar o quanto quiser, mas são as cabeças e pernas de 23 pessoas que definem, ativamente, o que acontece naquele trecho de 105 metros de comprimento por 68 metros de largura. Só nesses 7.140m² são 23 histórias diferentes. Quis (insira o que você acredita) que as melhores estivessem no lado tricolor. E que fossem as vencedoras.
Fábio e os 100 jogos de Conmebol Libertadores; Samuel Xavier e o abraço consagrador; Nino e o capitão de 26 anos em um time experiente; Felipe Melo e o recuo para a zaga do veterano; Marcelo e o ciclo se fechando; André, a potencial venda mais cara de Xerém; Martinelli, o coadjuvante subvalorizado; Ganso, o maestro; Keno, o escape e desafogo; Arias e o maior mapa de calor do Brasil; Cano e um toque na bola; Fernando Diniz e o retorno triunfante; John Kennedy.
Herdeiro da camisa 9 de Fred, não poderia ser outra pessoa a fazer o gol do título. O roteiro do garoto é daqueles que você poderia até achar que é forçado se assistisse na televisão. John seguiu em frente sem se apavorar quando foi para a Ferroviária no início do ano e soube esperar sua hora quando voltou ao Flu. Ele não fugiu da luta e nem correu. John e o Fluminense nasceram para vencer no 4 de novembro, um pouco atrasado, mas venceram. Como diz a música: Deus apontou a estrela que tinha que brilhar e a hora dele chegou. Tava escrito.
Vence quem foi superior
Agora, para falar do jogo em si. O primeiro tempo reservou de interessante o gol de Cano. Um claro exemplo do "Dinizismo", com Keno indo para o mesmo lado de Arias, tabelando com o colombiano e tocando para o argentino marcar de primeira. Nada mais Fluminense 2023 do que isso. Para completar, tinha do lado do Boca um Edinson Cavani completamente irreconhecível, que preferiu tocar para trás a melhor chance tendo Fábio e o gol à frente.
Com a vantagem no placar, a volta do intervalo para a etapa final (ao menos se pensava e desejava que fosse) mostrou um time que fugiu um pouco das próprias características. O Boca passou a gostar do jogo, ter mais a posse e procurar os espaços na defesa tricolor. Mas faltava qualidade aos argentinos e o Flu não conseguia aproveitar os buracos que o Boca dava. A única forma possível do hexacampeão da Conmebol Libertadores era achar o gol em um dos vários cruzamentos que dava (Nino não permitiu em uma partidaça) ou em um chute de fora da área. Méritos para Advíncula, o melhor do Boca.
Diniz resolveu então mexer no time. Depois de ter trocado Felipe Melo por Marlon porque o veterano zagueiro saiu machucado, o técnico tricolor rejuvenesceu o time com Diogo Barbosa, Lima e John Kennedy nos lugares de Marcelo, Martinelli e Ganso. De 4-3-3 para 4-2-4. O time voltou a crescer e por muito pouco o lateral-esquerdo não foi o herói improvável da decisão. Até agora não sei se ele estava impedido.
A prorrogação chega com ares de tentativa tricolor de evitar os pênaltis a qualquer custo, mas sem correr muitos riscos também. Até que a magia acontece e o balaço que John Kennedy pega na veia acerta o canto esquerdo de Romero. Catarse total. A partir dali era o Boca tentando de qualquer jeito e com pouca qualidade. O Fluminense até teve a chance de fechar o caixão com Guga. A bola quicou seis vezes no gramado entre o chute e o delicado beijo na trave. Não fez falta. Quando Roldán pegou a bola e trilou o apito, venceu o Fluminense, o futebol e a melhor história.
Fonte;ge.globo
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